A carreira não é mais como era antigamente... e ainda bem que não
A forma como nos relacionamos com o trabalho mudou, mas será que você soube se adaptar, ou ainda vive e trabalha como nossos antepassados?
Um dos assuntos que eu mais reflito no dia a dia é trabalho e carreira. Isso porque a minha própria carreira tem sido extremamente atípica e cheia de mudanças. Em poucos anos eu consegui me desenvolver muito como profissional e transitar por diversas áreas. E tudo isso sem ter sequer um diploma de graduação. Por isso, resolvi escrever um pouco das minhas reflexões sobre trabalho e deixar algumas dicas para quem vem tendo dificuldade em se encontrar ou encaixar no mercado.
Ideais de sucesso
Há menos de 15 anos atrás, quando eu tinha meus 18 ou 19 anos, meu sonho de carreira era o mesmo de muitos jovens da minha idade: participar de um processo de trainee de uma multinacional, crescer dentro da empresa e passar a minha carreira toda lá, de preferência todos os cerca de 35 anos dela. Minha carreira está indo em um caminho completamente diferente - majoritariamente construído dentro de startups - e ainda bem que isso aconteceu. Hoje, jamais conseguiria me imaginar indo por um dos caminhos que a sociedade imaginou para mim há 10 anos atrás.
Os atrativos desse sonho de caminho de carreira eram a boa remuneração, o status do trabalho em uma grande companhia, a vida de viagens e luxos, possibilidade de ser expatriado, etc. Isso tudo parecia legal, ainda mais quando comparado às alternativas que existiam de boas carreiras na época: os concursos públicos. No início da minha jornada de empregos, uma parcela enorme da população sonhava com um concurso público, e a promessa era simples, porém tentadora: remunerações boas o suficiente para uma vida confortável, pouco trabalho e a certeza de que você não seria mandado embora, independentemente do quão incompetente fosse.
É óbvio que não podemos generalizar as motivações de todos que fizeram ou queriam fazer concurso na época, mas infelizmente, essas eram sim as motivações de muitos que queriam seguir esse caminho. Eu mesmo fiz estágios em instituições públicas e vi algumas aberrações que me fizeram nunca querer sequer prestar um concurso público como: pessoas que contavam todos os dias o número exato de dias que faltavam para a aposentadoria e pessoas me dizendo que aquilo ali era só “Disneylândia, o que fazemos aqui é só para aparecer em foto de jornal, ninguém presta contas ou apresenta resultado de nada”.
Nos últimos anos, os concursos públicos foram perdendo um pouco a força. Isso por diversos fatores, como por exemplo:
Redução do número de concursos, principalmente na época da pandemia;
Outros caminhos de carreira passaram a mostrar possibilidades diferentes de crescimento e boas remunerações;
A “estabilidade” de concursados públicos passou a ser bastante questionável.
Assim como as carreiras, o estudo também tinha caminhos pré-definidos de sucesso: se você resolvesse estudar direito, medicina ou engenharia, estava em um dos três grupos de respeito que, inevitavelmente, teria uma carreira de sucesso. Então, passar por um vestibular altamente concorrido e sobreviver até o fim da graduação era quase uma garantia de uma vida de conforto e tranquilidade. Mas, isso tudo mudou, antes mesmo que algumas pessoas pudessem usufruir desses direitos.
Já hoje, o cenário dessas profissões - uma vez glorificadas - é bem diferente. Eu mesmo estudei Engenharia Mecânica. Não cheguei a concluir, mas hoje voltei a estudar para terminar a minha graduação. Não pretendo seguir carreira na área e estou cursando apenas para dar esse “orgulho” à minha mãe, pelo esforço que ela teve para me prover o direito ao estudo - bem simbólico e relacionado ao que estamos discutindo aqui. Mas, desde que eu saí da universidade em 2016 até hoje, o cenário do curso de Engenharia no Brasil mudou MUITO. Algumas coisas aconteceram, como:
A procura por cursos de engenharia caiu bastante, inclusive, pela primeira vez vem reduzindo. Isso vem acontecendo por ser considerado um curso difícil, caro e sem o devido retorno financeiro.
Os profissionais de engenharia formados no Brasil têm muita dificuldade em se colocar no mercado, e acabaram até mesmo virando motivo de piada recorrente:
É triste e realmente deprimente. A maioria dos meus colegas de faculdade estão tendo, até hoje, dificuldades em se estabilizar na carreira e maioria realmente não seguiu pela engenharia pela falta de oportunidades. Considerando todo o esforço dedicado até concluir uma formação dessas, é realmente injusto.
Mas, voltando ao tema central, antigamente, a trilha de carreira padrão - da maioria dos brasileiros - era bastante simples:
Você “terminava” ou abandonava os estudos;
Caso tivesse terminado o ensino médio, escolhia um de três caminhos;
Aprendia um ofício e fazia isso trabalhando para outras pessoas o resto da vida ou até ter dinheiro o suficiente para abrir um pequeno negócio seu;
Escolhia uma graduação, estudava aquilo e passava o resto da carreira em uma mesma função. Retornando aos estudos apenas periodicamente, quando isso era requisito para uma promoção ou aumento salarial;
Fazia um concurso;
Porém, hoje, os caminhos se diversificaram muito. A forma como a tecnologia impactou a sociedade em pouco tempo fez com que um mundo de possibilidades se abrisse. Muitos novos trabalhos nasceram com a criação do smartphone e de plataformas de mídia e conteúdo digital. A internet democratizou as oportunidades de trabalho, trazendo com ela a possibilidade de se trabalhar remotamente para uma empresa do outro lado do país ou do mundo e o surgimento de modelos de negócio e tipos de empresa que antes não existiam fez com que nascessem várias carreiras nos últimos 20 anos.
Todo esse dinamismo mudou a nossa relação com o trabalho e também com o aprendizado, de formas drásticas.
Hoje, o profissional não é mais “preso” a uma área. Você dificilmente vai começar e terminar sua carreira fazendo a mesma coisa. Pelo menos não sem ir e voltar por caminhos diferentes. Eu mesmo, em apenas 6 anos passei por:
Projetos de engenharia;
Vendas;
Recrutamento;
Projetos de educação;
Sucesso do cliente;
Implantação de software;
Suporte ao cliente;
E, mesmo nessas áreas, acabo me relacionando e fazendo trabalhos que não têm necessariamente a ver com elas. Por conta disso, desenvolvi hobbies como programação e uso muito no trabalho diariamente.
Além disso, a educação também deixou de ser fixa. A história de ficar 10, 15, 20 anos sem estudar nada hoje é uma ilusão. Pelo menos para quem pretende seguir competitivo em qualquer área de trabalho.
Com um cenário de mudanças constantes em todos os mercados, é como se o mundo em que vivemos hoje fosse uma esteira rolante (como aquela de aeroportos, sabe) e você estivesse caminhando no sentido contrário dela. Ou seja, quando se trata de aprendizado hoje, se você ficar parado, você anda para trás. Todos os dias surge uma nova tecnologia, um novo dispositivo, um novo concorrente, um novo mercado ou qualquer coisa que pode mudar completamente sua forma de trabalhar ou simplesmente extinguir seu trabalho em poucos anos.
E isso não é de hoje. A Lei de Moore - uma teoria que diz que a capacidade de processamento dos computadores e, consequentemente, a evolução tecnológica dobraria a cada 18 meses - surgiu na década de 60! Hoje em dia, com o surgimento da inteligência artificial, há estudiosos dizendo que esse processo pode acontecer ainda mais rápido nos próximos anos.
Isso tudo faz com que o profissional precise estudar constantemente. Todos os dias. Independente da área. Há áreas que estão evoluindo tão rápido que mensalmente são desenvolvidos mais artigos científicos do que toda a história até hoje.
Essa velocidade fez com que o ensino formal perdesse um pouco de força. Inclusive, surgiram vários críticos ao ensino formal, não apenas no Brasil. Afinal de contas, em uma sociedade onde tudo muda com tanta velocidade, passar 4 a 5 anos em uma graduação tem grande risco de que, ao momento que você conclua seus estudos, o que você aprendeu no início já esteja obsoleto. Com isso:
A busca por universidades vem caindo em vários lugares do mundo;
Várias empresas - principalmente startups - passaram a dar mais peso à experiência prática do que a diplomas universitários.
Eu sou um exemplo dessas mudanças. Era simplesmente inimaginável para mim há 10 anos atrás que eu poderia ter um cargo de alta liderança em uma grande empresa, liderando 4 áreas e mais de 80 pessoas e ganhar um salário maior que todos meus ex-colegas de faculdade - pelo menos todos com quem conversei - sem ter um diploma de graduação. Ainda mais maluco pensar que isso acontece trabalhando de casa há mais de 3 anos, algo que também não existia até pouco tempo atrás.
Não, eu não sou um dos críticos da universidade. Tanto que optei por voltar. Mas, é óbvio que as motivações de estar em uma universidade são muito diferentes do que eram há alguns anos atrás.
A inteligência emocional
Inclusive, há alguns anos, o tema de inteligência emocional começou a ganhar MUITA força, principalmente relacionado a trabalho. Esse movimento aconteceu graças a estudos de especialistas como Daniel Goleman.
Os trabalhos de Goleman e de outros profissionais da área ajudaram a tese de que formação técnica não deveria importar tanto na hora de contratar talentos. Nesse cenário de tanta incerteza e mudanças, algumas pesquisas feitas por esses especialistas mostraram que uma inteligência emocional desenvolvida é um fator muito mais determinante ao sucesso no trabalho do que o QI ou habilidades técnicas.
Com isso, ganharam força expressões como:
Frases como essa perderam um pouco de força nos últimos anos, e a inteligência emocional já desacelerou bastante sua popularidade, mas, é interessante para ilustrar os movimentos acontecidos recentemente no mercado de trabalho.
A motivação no trabalho
Os motivos que levam um profissional a trabalhar ou escolher uma empresa também mudaram bastante. As gerações dos nossos pais e avós enxergavam o trabalho de um prisma muito diferente. As pessoas trabalhavam porque sim, basicamente.
Frases como “o trabalho enobrece” eram comuns e o principal e talvez único motivo pelo qual as pessoas trabalhavam era de garantir a subsistência própria e de sua família. Talvez isso acontecesse até pela baixa diversidade de trabalhos, a menor qualificação profissional e a ausência de competição por talentos.
E, com o passar dos anos isso foi mudando bastante também. Hoje as pessoas levam em consideração fatores como clima organizacional, relações interpessoais, perspectiva de crescimento e propósito no trabalho muito a sério. Na minha opinião, algumas vezes, a sério até demais - de uma forma excessivamente romantizada -, mas tudo bem, tema para uma futura edição.
De acordo com Daniel Pink no livro Drive (na edição em português Motivação 3.0), o profissional hoje se motiva por três fatores principais:
Excelência: se sentir evoluindo e sendo bom(a) no que faz;
Autonomia: sentir-se no controle das escolhas e podendo tomar decisões;
Propósito: ver-se como parte de algo maior, impactando a sociedade ou objetivos maiores.
Tudo isso é muito novo. E as mudanças geradas pela chegada da geração Z no mercado de trabalho prometem mudar ainda mais as coisas. E já estamos vendo isso, com o surgimento de movimentos antes inimagináveis como a Great Resignation e o Quiet Quitting.
Mas com tudo isso mudando tanto o cenário do trabalho, se manter atualizado(a), competitivo(a) e feliz com a carreira parece praticamente impossível, devo me desesperar? Não, vou tentar ajudar um pouquinho a partir de agora.
Dicas para quem quer se manter competitivo(a) no cenário atual
Tudo que eu falei até agora parece meio apocalíptico para quem seguiu um dos caminhos tradicionais de anos atrás, eu sei. Mas não é essa a ideia, não está tudo perdido. Acho que com poucos e simples conselhos dá para manter uma competitividade interessante e aproveitar o melhor dos dois mundos. Sendo assim, meus conselhos para qualquer profissional hoje são:
Esteja sempre ligado aos movimentos tecnológicos e como isso pode afetar o seu trabalho. Não viva em uma bolha. Esteja sempre atualizado em relação a novidades tecnológicas. Isso não significa que você precisa entender com profundidade como as coisas funcionam, apenas como aplicar no seu dia a dia ou, pelo menos, o que é possível ou não fazer com elas.
Direcione-se mais pelas suas competências do que pela área de atuação. Entenda muito bem quais são suas características profissionais, capacidades e pontos fortes e entenda onde mais suas habilidades poderiam ser benéficas.
Reflita constantemente sobre suas prioridades de vida e como isso se encaixa com a sua carreira. Entenda se seu trabalho atual irá levá-lo(a) aonde você pretende chegar e não tenha medo de buscar novas possibilidades.
Tenha objetivos claros sobre a sua carreira e sempre se questione se está caminhando no sentido desses objetivos.
Estude com frequência. O aprendizado não é um evento e dificilmente você aprenderá algo fazendo UM curso ou lendo UM livro. Aprendizado exige repertório e repetição. A constância de estudar um pouquinho todos os dias pode transformar a sua vida em um prazo não tão longo, de formas que você hoje nem consegue estimar. Mas exige constância, disciplina e paixão por aprender.
Espero que você tenha gostado do conteúdo e que ele realmente te ajude a refletir sobre sua vida e carreira. Se esse conteúdo foi de valor para você, ajude a fazer com que ele chegue a mais pessoas a quem possa ajudar. E não se esqueça de se inscrever na Newsletter (é gratuita) e deixar um like aqui e no Linkedin.